Atividades Síncronas X EAD

Publicado/Atualizado em 09/08/2020

É possível afirmar que Atividades Síncronas são diferentes de Atividades EAD?


Esse momento de Pandemia da COVID-19 apresentou uma série de desafios às Instituições de Educação Superior (IES). Entretanto, como a maioria das situações de crise, trouxe também algumas oportunidades. Destaca-se, dentre essas oportunidades, a possibilidade de utilização intensa das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) com forma de minimizar os efeitos negativos da Pandemia no processo ensino-aprendizagem.


Pode-se afirmar que a maioria das IES privadas está, nesse momento, fazendo uso de tal recurso, com predominância das aulas síncronas utilizando ferramentas de videoconferência como Zoom, Google Meet, Jitsi Meet, dentre outras para que a maioria das atividades acadêmicas não seja interrompida. Essa utilização está amparada na legislação em vigor (veja o post intitulado Atividades Acadêmicas - COVID19), entretanto pergunta-se: passado o período coberto por tal legislação, especialmente a Portaria MEC 544/2020, poderão as IES que não possuem credenciamento específico para Educação a Distância (EAD), continuar utilizando tais ferramentas? Em outras palavras: atividades acadêmicas que utilizam ferramentas de videoconferência são categorizadas como Atividades Presenciais, Atividades EAD ou outro tipo de atividade?


Essa pergunta é de fundamental importância, pois caso as Atividades Síncronas sejam categorizadas como Atividades EAD somente poderão ser utilizadas, de forma ampla, por IES credenciadas pelo Ministério da Educação (MEC) para oferta de cursos EAD, nos termos do Art. 80, § 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN): "A educação a distância, organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela União.", do Art. 11 do Decreto 9.057/2017: "As instituições de ensino superior privadas deverão solicitar credenciamento para a oferta de cursos superiores na modalidade a distância ao Ministério da Educação.", bem como do Art. 1º da Portaria MEC 11/2017: " O funcionamento de Instituições de Educação Superior- IES para oferta de curso superior a distância depende de credenciamento específico pelo Ministério da Educação - MEC, nos termos do art. 80 da Lei nº 9.394, de 1996, e do Decreto no 9.057, de 2017. " dentre outros dispositivos legais. Esse credenciamento é resultante de um processo bastante longo e complexo que nem sempre é concluído de forma positiva.


Acredita-se que, como preliminar, seja importante verificar quais modalidades de ensino existem no Sistema Federal de Ensino (SFE), podendo-se afirmar, sem sombra de dúvida que nesse Sistema há somente duas modalidades: Educação Presencial e Educação a Distância, como pode-se verificar em amplo leque de dispositivos legais, entre outros, a saber:


Mas e os cursos híbridos que utilizam o sistema blended learning?

Pode-se afirmar que legalmente no SFE, não existe essa modalidade, mas:

  1. Cursos de graduação na modalidade presencial que podem ofertar até 40% de suas atividades em EAD (nos termos da Portaria MEC 2.117/2019).

  2. Cursos/programas stricto sensu que podem ofertar "disciplinas esparsas a distância" (nos termos do Art. 6o da Portaria Capes 90/2019).

  3. Cursos de especialização EAD que podem ter atividades presenciais (nos termos do Decreto 9.057/2017, Art. 15 e da Portaria MEC 21/2017, Art. 30 e da Portaria 11/2017, Art. 20).

  4. Cursos de graduação na modalidade EAD que podem utilizar até 30% de suas atividades na modalidade presencial (nos termos da Portaria MEC 23/2017, Art. 100).

  5. Infelizmente não há previsão legal para oferta de atividades EAD em cursos de especialização presenciais.


Os que defendem que atividades síncronas não pertencem à modalidade EAD, portanto por eliminação, pertencem à modalidade presencial utilizam como argumento principal a definição apresentada no Art. 1º do Decreto 9.057/2017:

Art. 1º Para os fins deste Decreto, considera-se educação a distância a modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos.

Segundo essa linha argumentativa, houve avanço em relação ao mesmo artigo no Decreto anterior (Decreto 5.622/2005, revogado pelo Decreto 9.057/2017):

Art. 1º Para os fins deste Decreto, caracteriza-se a educação a distância como modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em lugares ou tempos diversos.

Percebe-se diferença substancial nas definições. Enquanto no Decreto revogado EAD caracterizava-se como "atividades educativas em lugares ou tempos diversos" o Decreto em vigor define EAD como desenvolvimento de "atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos". Portanto, no contexto do Decreto revogado, atividades síncronas seriam EAD pois são atividades realizadas por alunos e professores em lugares diversos (nessa definição, estando alunos e professores em lugares OU tempos diversos estaria configurada a modalidade EAD), enquanto que no Decreto em vigor não configura EAD, pois somente atividades realizadas em lugares E tempos diversos configuraria tal modalidade. Em outras palavras, atividades síncronas que são realizadas em lugares diversos, mas não em tempos diversos, não configurariam EAD.


Esse argumento, de que atividades síncronas não são EAD, portanto são presenciais, apesar de lógico, parece ser contraditório a diversas outras normas do SFE, implicando que, caso a IES pretenda adotá-lo como balizador para suas decisões, deverá estar preparada para provável demanda judicial pois, como apresentado a seguir, há diversos argumentos fáticos e legais apontando para a conclusão divergente, qual seja: atividades síncronas não são presenciais, portanto são atividades EAD.


Argumento 1: O SFE não permite que atividades presenciais, dos cursos presenciais ou dos cursos EAD, sejam realizadas em locais diferentes dos endereços autorizados explicitamente, portanto, atividades realizadas fora desses endereços somente podem ser consideradas EAD. Nesse sentido há vasta legislação a respeito:

  • Decreto 9.235/2017, Art. 33: "É vedada a oferta de curso presencial em unidade fora da sede sem o prévio credenciamento do campus fora de sede e autorização específica do curso."

  • Decreto 9.057/2017, Art. 5º, § 2º: "São vedadas a oferta de cursos superiores presenciais em instalações de polo de educação a distância e a oferta de cursos de educação a distância em locais que não estejam previstos na legislação."

  • Portaria MEC 2.117/2019, Art. 3º: "Todas as atividades presenciais pedagógicas do curso que ofertar carga horária na modalidade de EaD devem ser realizadas exclusivamente no endereço de oferta desse curso, conforme ato autorizativo. "

  • Portaria MEC 23/2017, Art. 100, § 2º: "É vedada a oferta de cursos superiores presenciais em instalações de polo de EaD, bem como a oferta de cursos desta modalidade em locais que não estejam previstos nos termos da legislação vigente."

Interessante observar que, mesmo para o caso dos cursos de pós-graduação lato sensu em que as atividades EAD não dependem de Polos, havendo a realização de atividades presenciais, os endereços devem ser informados, nos seguintes termos:

  • Decreto 9.057/2017, Art. 15: "Os cursos de pós graduação lato sensu na modalidade a distância poderão ter as atividades presenciais realizadas em locais distintos da sede ou dos polos de educação a distância. "

  • Portaria MEC 21/2017, Art. 30: "Os endereços de oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu, na modalidade presencial e a distância, possuem natureza declaratória e deverão ser informados pelas IES e inseridos no cadastro. No caso dos cursos de pós-graduação lato sensu EaD, devem ser informados os endereços para as atividades presenciais, se for o caso."

Ora, seria incoerente que em um Sistema onde os locais de funcionamento das atividades acadêmicas presenciais sejam altamente regulados e onde a oferta de atividades EAD dependa de processo de credenciamento específico e rigoroso, haver a possibilidade de atividades síncronas que possibilitam ao aluno estar em qualquer lugar do mundo, sem os limites correspondentes às modalidades.


Argumento 2: Nos atos autorizativos de cursos de graduação (autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento - Decreto 9.235/2017, Art. 10) há menção explícita do endereço onde devem ocorrer as atividades acadêmicas:

  • Modalidade EAD: "Os endereços utilizados para as atividades presenciais do curso neste ato autorizado são, exclusivamente, aqueles constantes do Cadastro e-MEC, nos termos do art. 16, do Decreto nº 9.057, de 2017."

  • Modalidade Presencial: "O reconhecimento a que se refere esta Portaria é válido exclusivamente para o curso ministrado no endereço citado na tabela constante do Anexo desta Portaria."

Parece clara, portanto, a intenção da autoridade governamental de não permitir a realização de atividades presenciais fora de endereços específicos.

Importante lembrar que o descumprimento de ato autorizativo, inclusive a "oferta de educação superior em desconformidade com os atos autorizativos" ou "em desconformidade com a legislação educacional" configura irregularidade (nos termos do Decreto 9.235/2017, Art. 72 e da Portaria MEC 315/2018, Art. 3º, § 2º) que poderá levar a processo administrativo de supervisão (nos termos do Art. 62 do mesmo Decreto e do Art. 4º da mesma Portaria).


Argumento 3: Nos processos seletivos para os cursos de graduação é exigida a indicação do "local de funcionamento de cada curso constante no Cadastro e-MEC". Portaria MEC 23/2017: Art. 99, § 2º, V.


Argumento 4: O conceito legal de "Modalidade de oferta" "presencial" exige a "presença física" dos alunos, conforme pode ser verificado na Portaria MEC 21/2017, item 11.1: "Presencial: Modalidade de ensino que exige do aluno a presença física e obrigatória nas atividades didáticas e nas avaliações."


Argumento 5: Se atividades que utilizam "recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação" pudessem, de alguma forma, ser consideradas presenciais, não haveria necessidade de publicação da Portaria MEC 343/2020 e da Portaria 544/2020 nesse momento de Pandemia. Entende-se que atividade síncrona seja espécie do gênero "atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação" e essas, por sua vez, atividades EAD:

  • Portaria MEC 343/2020 (alterada pela Portaria MEC 345/2020), Art. 1º: "Art. 1º Fica autorizada, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento, por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. "

  • Portaria MEC 544/2020, Art. 1º: "Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados, por atividades letivas que utilizem recursos educacionais digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros meios convencionais, por instituição de educação superior integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art. 2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017. "

Nesse mesmo sentido destaca-se trecho do anúncio das primeiras ações do Comitê Operativo de Emergência (COE) do MEC em 16/03/2020:

"Ainda nesta semana, será publicada uma portaria em que o MEC autoriza a substituição por 30 dias, prorrogáveis, de aulas presenciais pela modalidade a distância. A ação tem caráter excepcional e valerá enquanto durar a situação de emergência de saúde pública por conta do coronavírus. A adesão por parte das instituições é voluntária." Dois dias após esse anúncio, no dia 18/03 foi publicada a Portaria MEC 343/2020.


Argumento 6: Antes da Pandemia não ouvia-se falar, quer como sugestão de consultorias ou como prática de IES que notadamente priorizam o resultado financeira de sua operação, de defesa da utilização de atividades síncronas além dos limites do EAD nos cursos presenciais (20% nas Portarias MEC 2.253/2001, 4.059/2004 e 1.134/2016 ou 40% nas Portarias MEC 1.428/2018 e 2.117/2019), configurando, portanto, atividades presenciais.

Apesar de não ser um argumento legal, talvez esse seja um dos mais importantes a favor da ideia de que atividades síncronas sejam atividades EAD e não atividades presenciais, lembrando que atualmente há múltiplos modelos de oferta de cursos/atividades EAD amparados pela legislação em vigor.

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